Houve um tempo em que eu me orgulhava (ai que vergonha)  por nunca ter perdido nenhum membro da família, amigos e/ou conhecidos. Não sabia nem como se portar (se assim posso dizer) num velório. Para mim é tudo muito igual aos filmes ou telenovelas, todos de preto, olhos escuros, bonito e pomposo.

Trabalhando no consultório com minha mãe, ao longo do tempo fomos perdendo alguns pacientes, alguns pela idade outros por doença, mas mesmo assim, em nenhum enfrentei e vivenciei o velório e enterro, era sempre apenas a notícia.

Eu não tenho o avô paterno, que faleceu muito antes de eu ser projeto na vida dos meus pais. Papai Ramon perdeu o pai quando tinha apenas três anos e muito tempo depois o avô paterno e uma tia-avó que era como uma segunda mãe. E eu sempre perguntava para o papai como é a sensação, o sentimento de se perdeu alguém, de saber que nunca mais verá aquela pessoa, de lembrar de momentos, ir na casa e aquele ente querido não estar mais lá. Ele, de poucas palavras, dizia que era estranho, porque chega um momento que a gente se acostuma com aquilo, que não chora quando pensa. Outra coisa que eu questionava era o que fazer, o que falar quando vamos à um velório. Tá, eu sei, sou meio boba mesma, mas é que sabia que algum dia eu enfrentaria essa situação.

O tempo foi passando, minha avó materna adoeceu, meu avô materno adoeceu, mas em nenhum momento os perdi. Estão doentinhos, mas ainda vivos! Mas para nossa infeliz surpresa, na véspera de Natal do ano passado, o avó do papai faleceu, assim, do nada! Ele sempre teve problemas na coluna e já havia se submetido a várias cirurgias, mais daí pensar em morrer, jamais! Quando ele ia para o centro cirúrgico ficávamos apreensivos, mas depois, era festa! A causa mortis foi o excesso de comprimidos para analgésicos que ele tomava era tão grande e tão forte de causou uma úlcera intestinal, como ele não sentia quase dor tal era a ingestão de analgésicos, aquilo foi aumentando e piorando até dar hemorragia interna. Foi um caos total, se não bastasse ser Natal, a avó materna do papai, esposa do avô faz aniversário no dia vinte e cinco de dezembro! Pense tristeza total?! Foi nosso Natal!

Mas enfim havia chego o dia de eu infelizmente experimentar o tal do sentimento e da sensação do velório! Como ele foi um homem importante na cidade natal dele, o enterro que começou as cinco da tarde foi madrugada a dentro e só terminou na manhã do dia seguinte! As pessoas chegavam aos velório as duas, três, cinco horas da madrugada para abraçar a família e dar o último adeus! Foi aí que descobri que as pessoas te confortam com palavras como “meus sentimentos”.

Ninguém estava de preto nem de óculos escuros.

O novo ano chegou e com ele a certeza de que coisas novas e boas aconteceriam.

Num domingo a noite, estava na internet quando recebo a notícia de que um grande amigo da escola havia sido assassinado. Nossa que baque, que desespero! Não existe certeza do motivo, se assalto, briga, execução … mas saber que um amigo foi assassinado é muito horrível. Quando soube da notícia já havia sido velado e enterrado o corpo, mas eu, papai e um amigo querido fizemos questão de visitar o túmulo como uma homenagem. Mas não precisei falar “meus sentimentos” para ninguém!

Um semestre quase se passou quando novamente revivi a sensação da perda, infelizmente papai perdeu sua avó paterna na última sexta-feira, vinte e dois de junho. Sabíamos que ela estava muito fraca, já hospitalizada e que os médicos já haviam dito que eles estavam fazendo o possível para prologar os dias de vida dela, falei até AQUI, no meu último post no Recanto das Mamães Blogueiras sobre um episódio que vivi com essa avó do papai. Mais uma vez fui confortada pelas palavras “meus sentimentos”.

Tanto o meu texto no Recanto das Mamães Blogueiras que foi antes de receber a notícia, como hoje, minha reflexão é sobre aquilo que queremos para as nossas vidas. Em todos os casos que vivi a experiência da perda, confesso que a única que era esperada era da avó paterna, mas nada era certo, afinal de contas, ela poderia muito bem se reestabelecer e viver mais alguns dias, meses, anos! Mas em um segundo, em alguns minutos, elas se foram e jamais estarão conosco.

O velório do avó materno do papai durou dezessete horas, e eu estive lá para ter certeza que em nenhum momento o salão ficou vazio, sempre tinha muita gente! Eu não acreditaria se alguém me contasse que pouco antes do caixão ser fechado haviam muito mais do que trezentas pessoas! Tinha mais gente que em muita festa, sem dúvida nenhuma. Ele é lembrado até hoje pelo homem honesto, alegre e amigo, bom pai, avô e bisavô.


Meu amigo foi morto a tiros perto de casa, as notícias que lemos sobre o caso são as piores possíveis. Ele não tinha nem trinta anos, morava com uma moça e não tinha filhos.


A avó materna do papai faleceu quase um mês antes de completar oitenta e sete anos! Construiu um patrimônio admirável, teve apenas um filho que faleceu aos trinta e cinco anos de idade, perdeu o marido há uns dez anos e desde esta perda foi perdendo o gosto pela vida. Quando a conheci, ela era ativa, falante e sempre muito bem disposta. Quando o marido faleceu, um pouco dela se foi e apenas os bens materiais importavam. Há muitos anos, ela e o marido construíram um supermercado e quando este fechou muitas coisas ficaram para eles, inclusive detergente. Passaram-se anos e mais anos e eu fui morar com o papai; numa das nossas visitas à ela, nos presenteou com alguns litros de detergente e finalizou “Levem, assim economizam”. OK, entendo que economizar se faz necessário, mas pensar que eles detergentes deviam estar ali há décadas! E mais, era extremamente controlado o estoque, se houvesse baixa na quantia, era rapidamente observado! Desta vez, do início do velório ao enterro não foram sete horas e se haviam cinquenta pessoas era muito.


Hoje, graças a Deus vivo diariamente o dom da vida, ter uma filha que é a razão de eu ser feliz e de desejar viver intensamente cada dia mais e mais. Não que eu seja a favor de se viver cada dia como se fosse o último e por isso viver loucamente e inconsequentemente … estou falando de dar valor a aquilo e a quem realmente se deva dar. Ficar o stress do trabalho, da rotina, da vida é muito difícil, mas não impossível! Aproveitar melhor os dias de sol e não xingar tanto os dias de chuva, é melhor pensar que as flores precisam de um pouco de água para colorir nosso dia! Quem sabe parar de xingar tanto no trânsito, mas aproveitar e conhecer lojas e lugares novos enquanto estamos parados! Ao invés de se irritar com o dia de faxina em casa, pensar que fica tão mais linda nossa casa quando cheirosa e organizada, dá até vontade de chamar os amigos e familiares para uma noite de pizzas e conversas!

A vida pode ser facilmente comparada com uma árvore! Nascemos, crescemos e morremos, #fato, mas como ultrapassamos cada etapa da vida é o que realmente importa! Se crescemos, se nos permitimos ser hospedeiras de parasitas que sugam nossa energia, se nos destacamos perante as outras e se damos frutos. Há quem diga ainda que “árvore podre, fruto podre”. Queremos ser que tipo de árvores?! Queremos que nossos filhos sejam que tipo de fruto?! 

Com a perda da avó paterna do papai confesso que enxerguei que a vida é muito mais do que apenas viver, é preciso aprender, compreender, entender … é aproveitar realmente, é viver intensamente os meus sentimentos. 

Queria muito agradecer a todos que me apoiaram em mensagens e orações! Com certeza, foi menos difícil com amigos queridos do nosso lado! Muito obrigada!