Esse texto foi escrito como uma reflexão sobre aquele triste período em que o Brasil discutia (???) de maneira absurda se uma criança de 10 anos podia ou não (???) realizar um aborto legal, depois de engravidar de um tio após anos de estupro. O caso aconteceu em agosto de 2020. Confesso que foi com muita dor que eu me informava sobre esse caso e tantos outros que acontecem mas não entram na grande mídia.
Era difícil engolir. Não estava sendo fácil sequer dormir, já que olhava para Sophia, hoje com 11 anos, e imaginava ela grávida. As lágrimas chegavam a embaçar a vista. Eu não queria ver nem pensar. Só conseguia a abraçar. Com ela em meus braços, recarregava energias para lutar por ela e por tantas crianças que não conheço. Crianças que entram para uma triste estatística. São cerca de 180 crianças por dia. CENTO E OITENTA CRIANÇAS. POR DIA.
Divulgado em setembro de 2019, o 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, ou seja, data bem anterior ao caso de repercussão nacional dos últimos dias, revela que em 2018 o Brasil registrou recorde de violência sexual. Foram 66 mil vítimas de estupro no país, o maior índice desde 2007, quando o estudo começou a ser feito. Grifo mesmo a palavra registro pois tenho certeza que inúmeros não são notificados.
Agora, como diria Murphy, “nada é tão ruim que não possa piorar”. Desse número absurdo, 53,8% eram meninas de até 13 anos. Meninas não, crianças de até 13 anos. Quatro crianças são estupradas POR HORA no país …
Especialistas afirmam que, geralmente, o perfil do agressor é de uma pessoa muito próxima a vítima, muitas vezes um familiar. Padrasto, avô, pai … como chamar alguém que comete isso de família. Lilo e Stitch (EUA, 2002), animação dos estúdios Disney ensinou uma geração que “Ohana quer dizer família. Família quer dizer nunca abandonar ou esquecer”. Definitivamente algumas pessoas não entendem o conceito de família, nem assistiram desenhos animados.
Ana Camargo, psicóloga especialista em atendimento a adolescentes afirma que é preciso aceitar que pedofilia é uma doença e deve ser tratada. “Muitos pedófilos sabem que são doentes, mas não sentem segurança para procurar ajuda médica”, garante. Quando questionada sobre o vínculo entre pedófilo e vítima ser familiar, Maria alega que a confiança é a “moeda de troca”. “O adulto sabe que consegue manipular a criança, e a vítima não enxerga, ou não consegue acreditar que aquele adulto, seu parente, irá fazer algo que maldoso”, explica.
No início do mês, uma criança de 10 anos deu entrada num hospital em São Mateus, ES. Alegando estar com fortes dores abdominais, o diagnóstico foi o pior: a menina estava grávida. A pequena afirmou que desde os seis anos era vítima de violência sexual do tio e que não o denunciou com medo das ameaças que ele fazia. Através de um exame de sangue ficou comprovado que a menina estava grávida de mais ou menos três meses. Após ter amparo judicial, a menina pode fazer o aborto legal, permitido por lei para casos de risco à vida da gestante, se a gestação for em decorrência de estupro ou feto sem cérebro.
Apesar de legal, ou seja, permitido por lei, um hospital de Vitória, ES, se recusou a realizar o procedimento afirmando que o feto tinha 22 semanas, 4 dias e pesando 537 gramas, isto é, acima do limite estabelecido pela Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, que é até 20 ou 22 semanas, dependendo do caso ou o feto pensar até meio quilograma. Após viajar para Pernambuco, onde uma equipe estava preparada para atender o desejo da criança e respeitar o pedido judicial, no dia 18 de agosto o aborto legal foi realizado. Sobre o tio, as últimas notícias são de que a Justiça aceitou a denúncia e ele virou réu pelo estupro. Está preso e, se condenado, a pena poderá chegar a 15 anos de prisão.
Há alguns anos, escrevi este post que, infelizmente, contava uma situação de tão horripilante quanto a criança de 10 anos. Acho que você deve se recordar no caso da menina de 16 anos que foi drogada e estuprada por TRINTA E TRÊS homens, numa comunidade do Rio de Janeiro. Essas histórias doem, machucam, fazem nosso corpo sangrar, igualmente um estupro. Esquecer notícias assim não é fácil. Precisa ser doente para olhar uma reportagem mostrando nomes, idades, relatos e não sentir nada.
Dados revelam que por hora, 4 crianças são vítimas de estupro. Infelizmente, enquanto escrevo este post, 12 crianças foram violentadas. Que nó sinto na garganta. À criança de dez anos, eu prometo que lutarei sempre por você e pelas outras 180 crianças que foram e, infelizmente, sem políticas públicas efetivas, continuarão sendo violentadas, tendo suas infâncias roubadas.
Essa luta é nossa. Por mim, pelas nossas filhas e filhos.