Já teve a febre das mandalas. Teve o bullet journal, o lettering, os planners com adesivo e os kits de scrapbook. Agora é a vez dos livros da Bobbie Goods tomarem conta das redes e do coração de quem busca um momento só seu — com lápis de cor na mão e o caos do mundo bem longe.
Confesso: sempre fui apaixonada por fofurices, especialmente as de papelaria. Mas minha infância e adolescência foram simples, e não me lembro de ter escolhido a caixa de lápis de cor que me acompanhou durante toda a vida escolar — provavelmente era de, no máximo, 24 cores.
Quando saí da casa dos meus pais e fui morar com o Ramon e a pequena Sophia, realizei um desejo antigo: comprei todos os lápis de cor que um dia sonhei ter. Kits com 36, 48 cores, tons pastel, metálicos, neons, marcas diferentes. Foi a Marcella adulta presenteando a Marcella criança.
Naqueles primeiros meses de vida nova, entre fraldas, cuidar da casa, ser esposa e choro, meu momento de pausa era simples e mágico: eu imprimia imagens da internet e pintava. Me desligava do mundo. Pintar era descanso, era ritual.
E talvez por isso, ver o sucesso de Bobbie Goods hoje me emocione tanto.
Porque mais do que tendência, colorir é memória, afeto e, às vezes, cura.
A verdade é que o “bobbiegoodismo” virou um fenômeno. Mas por trás do modismo, existe algo muito mais profundo acontecendo.
Pintar por prazer, não por comparação
É claro que nas redes sociais o feed perfeito tenta invadir até o que era pra ser descanso. Gente postando desenhos que mais parecem obras de arte, kits com 300 canetinhas importadas, iluminação natural e legenda reflexiva.
Mas e quem colore com lápis escolar, papel impresso em casa e uma criança de cinco anos do lado, perguntando se pode pintar o céu de rosa?
“Ela pintou tudo fora do contorno. Eu ia corrigir, mas me segurei. Porque ali não era sobre fazer certo, era sobre expressar.”
Foi o que disse Fernanda Marques Stieven Kiska, 33 anos, advogada, mãe da Rafaella (5) e do Rafael (1). Ela e a filha têm noites especiais só delas: meias iguais, livros de colorir e muita conexão. “Antes, meus poucos momentos livres eram no celular, achando que estava relaxando. Mas era só mais uma tela. Com os livros, eu relaxo de verdade.”
Colorir é sim terapêutico — só não é terapia
A psicóloga Maria Carolina Camargo confirma: pintar pode ser uma prática terapêutica, embora não substitua o acompanhamento psicológico.
“Essa atividade ativa áreas do cérebro que estimulam a criatividade e a atenção concentrada. É um momento de pausa real, longe do celular, que traz benefícios emocionais para adultos e crianças.”
Para mães multitarefas, o impacto é ainda mais forte. “Pode ser um momento de desacelerar junto dos filhos. Um espaço de presença, calma e vínculo.”
Nas crianças, os efeitos são tanto emocionais quanto motores: colorir desenvolve a coordenação fina e a criatividade. “Não existe idade certa para começar. Se a criança já consegue segurar um giz, pode e deve ser incentivada.”
E mais: a prática é amplamente utilizada em terapias infantis. “O desenho livre e a coloração são ferramentas de expressão emocional e podem funcionar como técnicas projetivas — sentimentos que não são facilmente verbalizados podem aparecer ali.”
Mais foco, menos tela — e mais presença
Em tempos de estímulos constantes, colorir se tornou uma desculpa aceitável para pausar. Uma forma de desacelerar que não exige produtividade, resultado nem engajamento.
E mais: pode ser um poderoso aliado nas férias escolares.
“Às vezes a conexão com os filhos está nas coisas mais simples”, diz Fernanda. “Pegar um caderno, umas canetinhas e pintar juntos. A gente esquece o mundo e, de quebra, ajuda eles em inúmeros aspectos da vida.”
Comparação não pinta memória afetiva
Com o sucesso nas redes, veio também a ansiedade. “Ah, mas eu não pinto tão bem.” “Não tenho um Bobbie original.” “Não tenho tempo.” Mas como toda trend, é preciso filtrar.
“Uma atividade criativa nunca deveria ser motivo de comparação”, alerta Maria Carolina. “Nela, não existe certo ou errado, só expressão. Pintar por obrigação ou para agradar o algoritmo perde o sentido. É sobre você, e não sobre os outros.”
Não é só Bobbie Goods — e nem precisa ser
Hoje existem livros para todos os gostos: de pets, dinossauros, flores, galáxias, frases motivacionais e até memes. E a verdade é que não precisa de canetinha gringa nem de kit de mil reais.
Eu, por exemplo, pinto há 16 anos com lápis de cor baratinho e folha impressa de internet. E o efeito de relaxamento é o mesmo.
O importante é que a pintura seja um espaço de prazer, presença e pausa. Que a criança possa pintar fora da linha. Que a mãe possa deixar o mundo lá fora enquanto escolhe um tom de azul.
E que a gente lembre, mesmo que só por um momento, que existe beleza no simples.
Quer um conselho?
Desliga o celular. Pega seu caderninho, seus lápis (não importa a marca) ou suas canetinhas brush.
Chama os filhos, ou vai sozinha.
Pinta sem pensar em feed. Sem corrigir. Sem performance.
Pinta como quem quer respirar de novo.
Você não precisa ser artista.
Você só precisa de uma pausa.