Comportamento comum entre bebês e crianças pequenas, a mordida pode estar relacionada à fase oral, frustrações e necessidade de estímulo sensorial. Técnicas simples de mindfulness ajudam a lidar com o impulso de forma respeitosa e eficaz.

mordida na infância é mais comum do que parece — e aqui em casa, ela chegou sem pedir licença. A Sophia, minha filha mais velha, nunca mordeu ninguém. Foi mordida umas duas vezes e ficou por isso mesmo. Já o Raphael… ah, o Raphael!

Antes de ir para a escola, ele vivia cercado dos nossos dois cachorros, o Marvel e a Capitã. Os dois brincavam muito com ele — e com mordidinhas também. Resultado? Raphael entrou na fase little Mogli e começou a morder a gente igual a Capitã fazia com ele. Foi um dos motivos que aceleraram nossa decisão de colocá-lo na escola: ele precisava de interação com outras crianças e novos referenciais.

Na escola, para minha surpresa, Raphael não virou o mordedor da turma. Pelo contrário: levou várias mordidas e deu apenas uma, tá duas. E essas trocas, digamos… corporais, aconteciam sempre com o mesmo amiguinho — os dois tinham uma daquelas amizades caóticas, cheias de energia, que desafiam o senso comum sobre convivência pacífica entre crianças pequenas.

Apesar de natural nessa fase, a mordida na infância ainda assusta. Mas a verdade é que ela pode ser enfrentada com mais leveza e consciência — e o mindfulness pode ser um grande aliado nesse processo.

Por que as crianças mordem?

Morder, para o bebê e a criança pequena, não é um gesto de maldade. É, antes de tudo, uma tentativa de comunicação.

Segundo Jean Piaget, no estágio sensório-motor (do nascimento até os dois anos), a criança constrói conhecimento a partir das experiências com o corpo. A boca, nesse contexto, não serve apenas para comer — ela é uma ferramenta para explorar o mundo.

“A criança age sobre os objetos com o corpo. Conhece com a boca, com as mãos, com o movimento. Sua inteligência é prática antes de ser verbal.”
Jean Piaget, em “A Psicologia da Criança”

Assim, é comum que as emoções mais fortes — alegria, raiva, medo, frustração — sejam expressas com o corpo, inclusive pela mordida.

Donald Winnicott, pediatra e psicanalista britânico, reforça essa ideia ao afirmar que o bebê passa por momentos de “desintegração emocional” — principalmente quando não consegue nomear ou organizar o que sente. Por isso, o papel do adulto é acolher, nomear e dar segurança.

“Não existe bebê sem um cuidador. A forma como o adulto reage ao gesto agressivo molda como a criança vai lidar com seus afetos no futuro.”
Winnicott, em “O Brincar e a Realidade”

Outros fatores que podem levar à mordida:

  • Busca por estímulo sensorial oral;
  • Imitação de comportamentos (como o Raphael com os cachorros);
  • Impulsividade natural da idade;
  • Falta de linguagem emocional.


👉 Veja também: a importância da escolha da escola para o desenvolvimento

5 estratégias de mindfulness para lidar com a fase das mordidas

A prática do mindfulness com crianças pequenas não exige silêncio absoluto nem almofada de meditação. Pelo contrário: ela pode (e deve!) ser brincante, leve e adaptada ao universo infantil.

Aqui vão cinco práticas que funcionam — algumas delas inspiradas no trabalho da educadora infantil Mayara Pinheiro de Ramos, que atua com crianças pequenas no Paraná e vem utilizando técnicas de atenção plena no cotidiano escolar:

“Quando a criança aprende a perceber o que sente, ela tem mais chance de reagir com equilíbrio. O mindfulness ajuda justamente nisso: a transformar o impulso em pausa”, explica a educadora.

Reprodução: Freepik

1. Respiração com o brinquedo favorito
Se a criança estiver agitada, segure um bichinho de pelúcia e diga:
“Vamos ajudar o ursinho a respirar?”
Inspire e expire devagar, encostando o brinquedo na barriga dela. Isso muda o foco e ensina regulação emocional.


2. Toque consciente: mão na boca, não no outro
Ensine a criança a colocar as mãos nos próprios lábios ou bochechas quando sentir vontade de morder.
“Quando a gente sente vontade de morder, podemos só sentir nossa boca. Assim o corpo entende que está tudo bem.”
Isso cria conexão com o próprio corpo — uma habilidade de ouro para a vida.


3. Nomear as emoções
Ajudar a criança a colocar nome no que sente é mais eficaz do que dizer “não pode morder”.
“Você está bravo porque o brinquedo foi tirado?”
“Está triste porque queria mais tempo com a mamãe?”
Dar palavras às emoções diminui a tensão e ensina a se expressar melhor.


4. Mordida consciente (e segura)
Se for uma mordida de fundo sensorial, ofereça alternativas seguras: mordedores, paninhos úmidos ou brinquedos apropriados.
“Se quiser morder, pode ser isso aqui. Não precisa machucar ninguém.”
Isso valida a necessidade sem reforçar o comportamento agressivo.


5. Mão do coração
Coloque a mãozinha da criança no próprio peito e diga:
“Sente o coração batendo? Ele está dizendo que tem um monte de sentimento aí dentro.”
É um exercício simples de presença e empatia corporal.


Quando procurar ajuda profissional?

Apesar de ser uma fase comum, as mordidas exigem atenção quando:

  • Acontecem com muita frequência ou agressividade;
  • Persistem após os 3 anos;
  • Vêm acompanhadas de dificuldades de fala, interação social ou comportamento.

Nestes casos, é indicado buscar uma psicóloga infantil, terapeuta ocupacional ou fonoaudióloga — profissionais que ajudam a entender a origem do comportamento e a guiar a família com respeito e segurança.

Reprodução: Freepik

Cada fase passa. O afeto fica.

Cada criança é única — e cada fase, por mais desafiadora que pareça, também passa.
Com acolhimento, escuta e estratégias respeitosas como o mindfulness, é possível ensinar nossos pequenos a reconhecer o que sentem e a se expressar com segurança e amorosidade.

Você já viveu essa fase por aí?
Conta aqui nos comentários o que funcionou na sua casa — e o que não funcionou também!
Se esse conteúdo te ajudou, compartilha com outras mães, pais e educadores.
Porque mordida passa. Mas afeto, esse sim, fica.