Entre dados alarmantes e histórias reais, Setembro Amarelo reforça que saúde mental é assunto de todos — e que uma conversa pode salvar vidas.
No fim de setembro, as fitas amarelas se espalham lembrando que o Setembro Amarelo e a prevenção ao suicídio não podem ser reduzidos a um mês no calendário. A vida real não espera datas para cobrar cuidado, e para milhares de pessoas, falar sobre saúde mental é questão de sobrevivência.
Setembro Amarelo nos lembra de algo simples e poderoso: quando a escuta existe, a vida encontra espaço para continuar. Entre mães no puerpério, jovens hiperconectados, profissionais esgotados e famílias inteiras que ainda têm medo de falar sobre saúde mental, o que une todas essas histórias é a urgência de não calar.
Quando a juventude pede socorro
A adolescência sempre foi um território de mudanças. Porém, hoje os números assustam: o suicídio já é a terceira principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, segundo o KidsRights Index 2025.
O KidsRights Index é uma análise anual que avalia o estado dos direitos das crianças em 194 países, com base na Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU. O estudo é realizado pela KidsRights Foundation em colaboração com a Erasmus University Rotterdam e o International Institute of Social Studies.
O relatório deste ano trouxe um alerta vermelho: a saúde mental dos jovens está entre as áreas mais críticas no mundo.
- Aproximadamente 14% das crianças e adolescentes globalmente enfrentam problemas de saúde mental.
- O uso inadequado de plataformas digitais, incluindo redes sociais, agrava a situação.
- Há correlação entre o consumo excessivo de conteúdo online e tentativas de suicídio: a taxa global chega a 6 por 100.000 entre adolescentes de 15 a 19 anos, segundo a OMS.
“O relatório deste ano é um alerta que não podemos mais ignorar. A crise de saúde mental entre nossas crianças atingiu um ponto crítico, agravada pela expansão descontrolada das mídias sociais, que privilegia o uso em detrimento da segurança”, afirmou Marc Dullaert, fundador e presidente da KidsRights.
Curiosamente, o documento também aponta que medidas extremas, como a proibição total de telas em alguns países (caso da Austrália), podem ser prejudiciais, pois geram isolamento ainda maior. Assim, o caminho defendido pelo relatório é o do equilíbrio: moderação, supervisão adulta e fiscalização de plataformas e conteúdos.
Nesse contexto, a neuropsicóloga Geiza Antunes, da ABRATA, reforça:
“Muitos adolescentes chegam em busca de informação e acolhimento, mas os pais também estão em crise. É impossível cuidar da saúde mental dos filhos sem olhar para a saúde mental dos pais.”
Conectar-se com os filhos, de verdade, tornou-se um ato de prevenção. Portanto, menos cobrança, mais escuta. Menos julgamento, mais presença.
O corpo fala quando a mente grita
Ansiedade e depressão raramente aparecem como queixa inicial nos consultórios. Primeiro, surgem palpitações, dores no estômago, insônia, cansaço inexplicável. O corpo pede ajuda antes que a boca consiga nomear o sofrimento.
“Não é raro um paciente com ansiedade passar por cinco médicos diferentes até chegar ao diagnóstico correto”, aponta a ABRATA. Além disso, essa demora tem consequências: 86% acabam no pronto-socorro antes de receberem o cuidado especializado.
No Brasil, a situação se agrava pela escassez: são apenas 6,6 psiquiatras para cada 100 mil habitantes. Por outro lado,grupos vulneráveis como mulheres, crianças e adolescentes concentram a maior incidência — sete em cada dez pessoas com depressão ou ansiedade são mulheres.
No trabalho, a dor também pesa
A saúde mental não fica no crachá. Em 2024, o Brasil concedeu 472.328 licenças médicas por transtornos mentais — o maior número dos últimos dez anos, um salto de 68% em relação ao ano anterior.
A OMS classifica a depressão como a doença mais incapacitante do mundo. Globalmente, são 12 bilhões de dias úteis perdidos por ano.
Para o advogado previdenciarista Jefferson Maleski, não há dúvida:
“Ansiedade e depressão são doenças sérias. Se comprometem a capacidade de trabalhar, justificam afastamento pelo INSS e, em casos crônicos, até aposentadoria por incapacidade.”
Em contrapartida, o impacto não é apenas econômico. É humano, social e familiar. Portanto, precisamos repensar ambientes de trabalho e quebrar o tabu de que pedir ajuda é sinal de fraqueza.
A maternidade e o peso do silêncio
O nascimento de um bebê costuma vir acompanhado de balões coloridos e frases prontas: “agora é só felicidade”. Contudo, não para todas. Segundo a Fiocruz, uma em cada quatro brasileiras apresenta sintomas de depressão pós-parto.
A enfermeira obstetra Cinthia Calsinski descreve:
“No consultório, é raro uma mãe não chorar. A tristeza só vira alerta quando paralisa o vínculo com o bebê e rouba a energia de viver. Esse é o momento de procurar ajuda.”
Estudos indicam que até 20% das mães enfrentam abalos de humor significativos após o parto. Em casos graves, pode evoluir para psicose puerperal, quando há risco até de suicídio. É duro admitir, mas necessário dizer: saúde mental materna também é questão de vida.
Rede de apoio, aqui, não é luxo: é sobrevivência. Assim, dar espaço para que a mãe seja cuidada enquanto cuida se torna essencial.
Os sinais que pedem atenção
O psicólogo Alexander Bez reforça: mudanças bruscas de comportamento, isolamento social, falas de desesperança, desinteresse pela vida. Esses são sinais que não podem ser ignorados.
“Reconhecer que precisa de apoio é coragem, não fraqueza. Prevenir o suicídio é um esforço coletivo que exige empatia e humanidade.”
Por fim, quando não houver ninguém por perto, sempre haverá uma linha do outro lado: o CVV – 188 atende 24 horas por dia, gratuitamente, com voluntários prontos para ouvir.
Uma memória que nunca esqueci
Durante a faculdade de Jornalismo, vivi uma experiência que marcou para sempre minha relação com esse tema. Eu e um amigo participamos de uma seleção para o programa Profissão Repórter, da Rede Globo. As duplas escolhidas fariam uma imersão com a equipe de Caco Barcellos.
Nossa pauta? Prevenção ao suicídio. Passamos um dia inteiro dentro do CVV, conversando com voluntários. O telefone não parava de tocar. Todas as horas, todos os dias, alguém ligava pedindo ajuda.
Foi surreal: um misto de dor, angústia e gratidão. Dor por perceber o tamanho do sofrimento anônimo que se espalha em silêncio. Angústia por saber que poderia ser qualquer pessoa — um vizinho, um amigo, um colega. E gratidão por existir gente que doa tempo e coração para lembrar ao outro que a vida presta, sim. Aquela experiência me ensinou que escutar é, muitas vezes, o maior ato de amor que podemos oferecer.
Muito além de setembro
O amarelo vai sair das campanhas, mas não pode sair da rotina. Saúde mental não é um mês no calendário, é cuidado diário. É estar atento ao filho que se cala no quarto, à colega que falta ao trabalho, à mãe que sorri mas não se reconhece no espelho.
Setembro Amarelo nos lembra de algo essencial: uma conversa pode salvar vidas. Seja em casa, no trabalho, na roda de amigos ou na maternidade, falar e ouvir são atos de amor.
Um comentário neste post
Olá @mamaedesalto! Infelizmente tudo o que você descreveu é verdadeiro. Eu sei ! Parabéns pelo texto. E que as pessoas que vivem ou convivem com quem está passando por tais momentos tenham a generosidade e acolham os que sofrem. Uma palavra, um abraço salva!