Quando a solidariedade se transforma em esperança, milhares de vidas podem ser reescritas. Entenda por que o Brasil precisa falar mais sobre doação de órgãos – um tema que já saiu dos hospitais e ganhou espaço até nas novelas.

Setembro não é só sobre o início da primavera. É também um mês marcado por cores que inspiram reflexões importantes. Depois do Setembro Vermelho, dedicado ao coração, e do Setembro Roxo, que fala sobre fibrose cística, chega a vez do Setembro Verde, campanha que chama atenção para a doação de órgãos e tecidos. Mais do que números ou protocolos médicos, é sobre humanidade, empatia e coragem.

O Brasil que doa – e o Brasil que ainda espera

Segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), o Brasil é o segundo país do mundo em número absoluto de transplantes, atrás apenas dos Estados Unidos. Em 2024, foram realizados mais de 27 mil transplantes no país. Ainda assim, os números da fila assustam: mais de 53 mil brasileiros aguardavam por um órgão até dezembro do ano passado.

O dado mais doloroso? Em torno de 40% das famílias se recusam a autorizar a doação, mesmo quando existe indicação clínica e o paciente em morte encefálica poderia salvar até dez vidas. Para o pneumologista José Eduardo Afonso Jr., que coordena iniciativas de transplantes pelo SUS, “a falta de diálogo dentro de casa é uma das principais razões para a negativa. Muitas famílias simplesmente não sabem qual era o desejo do ente querido – e nesse momento de dor, acabam dizendo não”.

Maísa e Júlia: pequenas guerreiras que tiveram uma segunda chance

A história da pequena Maísa Kivia, de Catalão (GO), poderia ter tido um desfecho trágico. Aos três meses de vida, ela foi diagnosticada com atresia de vias biliares – doença rara que compromete o fígado. Seu pai tentou ser o doador, mas descobriu um tumor durante os exames e foi descartado. A família viu a situação se agravar até que, pelas redes sociais, encontrou esperança: uma jovem amiga se dispôs a doar parte do fígado.

“Cheguei a pensar que iria perder a minha filha, mas hoje ela é outra criança. O transplante devolveu a vida dela e a nossa alegria”, lembra Alba, mãe da menina.

História parecida viveu Júlia Franchini, que recebeu um transplante de fígado da tia e madrinha, Vitória, quando tinha apenas um ano e meio. A cirurgia durou oito horas e foi marcada por medo e incertezas, mas transformou a vida da criança. “Quando ela recebeu o fígado saudável parecia que tinha virado uma chavinha. Hoje é uma menina cheia de energia e saúde”, conta Vitória.

Casos como esses mostram que a ciência e a solidariedade caminham juntas. Para o hepatologista Eduardo Antunes Fonseca, que atua em transplantes pediátricos, “operar crianças de baixo peso é um enorme desafio técnico, porque lidamos com vasos sanguíneos muito pequenos. Mas quando o transplante dá certo, o impacto é transformador – a criança literalmente renasce”.

Do drama real à ficção: quando a novela também fala de vida

O tema ganhou ainda mais espaço nas rodas de conversa com o remake da novela “Vale Tudo”, em que o personagem Afonso Roitmann enfrenta a espera angustiante por um transplante. Ao colocar a doação de órgãos no horário nobre, a ficção aproximou milhões de brasileiros de uma realidade que, muitas vezes, parecia distante.

Essa mistura de drama e esperança é um reflexo do que acontece diariamente nos hospitais: histórias interrompidas que poderiam seguir adiante se mais famílias dissessem “sim”.

Como ser doador de órgãos: mitos e verdades

Um dos maiores obstáculos para aumentar o número de doações no Brasil é a desinformação. Ainda circulam muitos mitos que afastam possíveis doadores.

👉 É preciso registrar em cartório para ser doador?
❌ Mito. Não existe documento oficial válido. O que importa é avisar a família sobre sua vontade.

👉 A doação desfigura o corpo?
❌ Mito. O procedimento é feito com todo o cuidado e não altera a aparência.

👉 Só jovens podem ser doadores.
❌ Mito. Não há limite de idade. Idosos também podem doar, desde que os órgãos estejam saudáveis.

👉 Se eu for doador, os médicos vão me deixar morrer.
❌ Mito. Médicos sempre tentam salvar o paciente. A doação só é cogitada após a confirmação da morte encefálica por uma equipe independente.

👉 Uma única pessoa pode salvar muitas vidas.
✅ Verdade. Um doador pode beneficiar até dez pessoas com órgãos e tecidos.

O primeiro passo para mudar esse cenário é simples: converse com a sua família. Falar sobre o assunto em vida garante que a decisão seja respeitada no momento mais difícil.

Setembro Verde: esperança que atravessa gerações

Em 2024, a cada hora, quatro pessoas entraram na fila de espera por um transplante no Brasil – e uma delas não resistiu antes de ser chamada. Essa estatística poderia ser diferente se mais famílias tivessem conversado sobre o tema.

Como resume Alba, mãe de Maísa: “Não estou vivendo um luto porque alguém se entregou para salvar a vida da minha filha. Esse ato de amor não mudou só a nossa história, mas de milhares de pessoas que esperam por essa oportunidade”.

Setembro Verde é um convite para refletir e agir. Seja nas novelas, nos hospitais ou nas conversas de família, a mensagem é clara: doar órgãos é multiplicar vidas.

E aqui no Mamãe de Salto, essa conversa vai além: também já falamos sobre outro gesto que salva vidas, a doação de medula óssea. Você pode conferir esse conteúdo neste link.

Converse hoje mesmo com sua família, declare sua vontade e ajude a transformar histórias de espera em histórias de esperança.