Em tempos de telas e distrações, especialistas e educadores mostram caminhos possíveis, lúdicos e afetuosos para incluir a leitura no dia a dia das crianças — dentro e fora de casa.
Eu nunca fui uma boa leitora — o que sempre tornou o desafio de estimular a leitura na infância ainda mais pessoal pra mim.
Na verdade, abrir um livro sempre teve um efeito quase hipnótico… mas não do tipo mágico — e sim sonífero. Antes eu costumava dizer, sem pensar muito, que “não lembrava” da infância com livros, até que, com o nascimento da Sophia, meus pais começaram a contar, orgulhosos, que estavam sentando para ler com a neta. Aquilo me tocou.
Eles diziam que nunca fizeram isso com as filhas porque a vida era corrida demais. E era mesmo. Apesar de meu pai ser um devorador de livros — daqueles que, entre o Natal e o Ano Novo, nas férias no interior do Paraná, em Cruzeiro do Oeste, devorava três livros densos como se fossem gibis — a leitura nunca foi algo compartilhado em casa.
Mas com a Sophia foi diferente. Eles criaram esse momento com ela, e ela, por sua vez, se jogou nos livros como quem mergulha num universo inteiro.
Hoje, infelizmente, a tela ganhou mais tempo nas mãos (e na mente) dela — algo que me preocupa, mas que entendo ser parte da adolescência atual.
Já com o Raphael, confesso que ainda preciso fazer muito mais. Ele gosta dos livros, adora os com textura e os que a gente inventa vozes. Mas entre trabalho, boletos, fraldas e caos cotidiano, eu quase não faço. E sei o quanto estimular a leitura na infância faz diferença — pra eles e pra nós.
Por isso, quando vejo iniciativas, ideias simples, projetos criativos e dicas que podem ajudar a fazer da leitura um momento prazeroso — sem culpa e sem cobrança — sinto que vale a pena compartilhar. Porque a gente não precisa ser a mãe leitora perfeita. Só precisa estar disposta a tentar.
Leitura na infância: muito além do “ser inteligente”
A psicóloga e neuropsicóloga Iara Mastine explica que o hábito da leitura é essencial para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social das crianças.
“Ler amplia o vocabulário, desenvolve a imaginação, estimula a empatia e fortalece os laços entre pais e filhos”, afirma.
O educador Bruno Piva, especialista em aprendizagem e fundador da startup Piva Educacional, complementa:
“A leitura melhora o relacionamento das crianças com o mundo ao redor. Os livros precisam estar nas prateleiras de todas as casas, e os pais precisam entender seu papel nesse processo.”
10 dicas para despertar o gosto pela leitura
Juntando os conselhos dos dois especialistas, aqui vão dicas práticas para criar uma relação positiva com os livros — sem cobranças, sem fórmulas mágicas, mas com muito afeto e intenção.
1. Seja exemplo
Seu filho precisa ver você lendo. Vale livro, revista, jornal ou até um conto rápido no celular. Ler junto também é uma forma linda de convivência.
2. Torne a leitura um ritual afetivo
Reserve um momento fixo para ler — antes de dormir, depois do banho, no café da manhã de domingo. A constância transforma a leitura em vínculo.
3. Dê acesso a livros variados
Leve a criança à biblioteca, livrarias e feiras. Deixe que ela escolha. Livros com temas do interesse dela fazem toda a diferença.
4. Evite livros complexos demais
Intercale leituras mais densas da escola com outras leves e divertidas. Pergunte o que ela entendeu e como se sentiu com a história.
5. Escolha livros adequados à idade
Crianças pequenas se encantam com histórias curtas, ilustrações coloridas e personagens familiares. O importante é despertar curiosidade.
6. Faça da leitura uma brincadeira
Use vozes engraçadas, explore as páginas, pergunte o que a criança acha que vai acontecer. Ler também é brincar junto.
7. Relacione a história com a vida real
Se o livro fala sobre sentimentos ou amizade, aproveite para conversar sobre as experiências do dia. Isso ajuda na compreensão e estimula empatia.
8. Crie atividades pós-leitura
Teatrinho, desenho, jogo da memória, palavras cruzadas ou uma caça ao tesouro temática. A história pode continuar fora das páginas!
9. Converse sobre a importância da leitura
Explique, com linguagem simples, que ler ajuda a aprender, imaginar, se comunicar melhor — e que isso pode abrir portas para tudo.
10. Valide o prazer de ler
Nem todo livro precisa ensinar algo. Às vezes, só precisa fazer rir, acolher ou simplesmente reunir quem se ama no sofá.
Cartão de crédito literário? Sim, e funciona!
É o caso da professora Aline Terozeni, que em 2023, em Florianópolis, teve uma ideia brilhante: criou o Passacard, um “cartão de crédito” simbólico para estimular o hábito da leitura entre seus alunos. A cada livro lido, as crianças ganhavam créditos, avançavam de nível e descobriam que ler também pode ser um jogo divertido.
Os livros eram organizados por cores, conforme a idade e a série de cada criança. Depois de ler em casa com a família, os pequenos respondiam a um questionário, davam uma nota e compartilhavam suas impressões — tudo isso com apoio e estímulo da professora.
A iniciativa também promovia conversas sobre educação financeira e sistema monetário, com categorias como prata, golde infinity. Mais do que uma gamificação da leitura, o projeto aproximou famílias, despertou a imaginação dos alunos e criou laços reais com o mundo dos livros.
A aluna Allana Cristiny, de 9 anos, contou que o momento em família era o mais divertido:
“Minha mãe lê de um jeito engraçado, minha irmã também participa… fica muito mais legal”.
Ler é laço, não obrigação (mas eu sei que preciso fazer mais)
Se tem algo que une todas essas ideias é o afeto. Não existe fórmula mágica, mas existem caminhos possíveis. Ler pode ser divertido, leve, acolhedor — e profundamente transformador.
A leitura na infância não precisa ser imposta — ela pode ser construída como parte da vida, como um momento de carinho e liberdade. E, sim, mesmo na rotina corrida, dá pra abrir espaço pra isso. Nem que seja uma página por dia. Nem que a gente leia cansada, com a voz falhando ou a cabeça cheia.
Essa matéria não é só um post com dicas. É também um lembrete pra mim.
Porque eu sei que preciso fazer mais com o Raphael. E sei que, se eu esperar o momento ideal, com tempo, silêncio e disposição … ele não vai chegar.
Então, que tal a gente fazer isso juntas?
Um comentário neste post
Bom dia! Fiquei muito feliz e agradecida, por você citar os “seus pais” nesse artigo. Talvez você não tenha tido de fato o gosto pela leitura, pela forma como principalmente era abordado o tema “leitura” aqui em casa. Era como ler ser uma “ obrigação “ e não um prazer. Não tínhamos habilidade no falar. Porém você tem uma mente brilhante para escrever, nasceu com esse talento. Sophia como neta, já tínhamos vivência e experiência de como passar esse hábito. Tudo tem seu momento certo. Não nos questionemos pelo que não foi, mas com o que pode ser melhorado. Acredito que hoje vocês pais enfrentam o pior momento, pois as telas “roubaram”, o olhar da criança. Eles são experts nas máquinas. Porém cabe a nós pais avós , lermos as histórias. Envolvê-los na magia da leitura. Parabéns por mais um excelente artigo, e que não fiquemos somente no falar, mas exercitar o que foi descrito por você.