A primeira vez que ouvi falar de um bebê Reborn foi há muitos anos, quando minha filha mais velha, Sophia, ainda era pequena. Lembro exatamente do que senti: um misto de espanto e rejeição. Pensei: “Que loucura. Que absurdo”. Nem mesmo como brinquedo aquilo fazia sentido pra mim. Bonecas hiper-realistas, com cabelo implantado fio a fio, pesando o mesmo que um recém-nascido? E com preço de eletrônicos de última geração. A sensação era de que aquilo ultrapassava a linha do faz-de-conta e invadia um território estranho. Incomodava mais do que encantava.

Anos depois, já na faculdade de Jornalismo, fui surpreendida ao assistir a um documentário chamado “Meu Bebê Reborn”, dirigido por Tatiana Lohmann e que teve como produtora uma professora minha, a Sandra Nodari. O filme mergulha nesse universo de forma delicada, mas provocativa. Mostra mães, mulheres, artistas e colecionadoras que tratam os bonecos como filhos. E aí, a pergunta se tornou inevitável: onde começa o afeto simbólico — e onde termina a fronteira com a obsessão?

O documentário está disponível online (link aqui), que traça um panorama sobre o mundo dos Reborns e a construção de um amor que, embora voltado para um objeto inanimado, é intensamente real para quem o vive.

O que é um bebê Reborn?

Antes da explosão nas redes sociais, as chamadas “maternidades de Reborn” já movimentavam o mercado físico. Um dos exemplos mais famosos é a loja MacroBaby, localizada em Orlando, nos Estados Unidos. Em 2018, a loja já atraía turistas brasileiros e fãs da arte Reborn com um modelo de atendimento inspirado em maternidades reais: entrega em berço, enxoval completo, direito a certidão de nascimento, pulseirinha de identificação e até cerimônia de “adoção”. Segundo a reportagem da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, o sucesso era tamanho que a loja chegou a ter fila de espera e visitas guiadas como se fosse uma ala neonatal de hospital.

Com aparência, textura e até peso semelhantes aos de um recém-nascido, os bebês Reborn surgiram como uma expressão artística, ganhando espaço no universo do colecionismo e, mais recentemente, na rotina de crianças e adultos ao redor do mundo.

Os bebês Reborn surgiram como uma expressão artística: bonecos confeccionados de forma artesanal, com pintura realista, cabelo implantado fio a fio, peso semelhante ao de um recém-nascido e detalhes como veias, unhas e textura de pele. Há edições limitadas, bonecos “assinados” por artistas internacionais, e coleções inteiras que giram em torno da maternidade, do nascimento prematuro e até de bebês com deficiências físicas.

Ao contrário do que muitos pensam, o universo Reborn vai além do simples ato de brincar. Há quem compre esses bonecos por razões estéticas, há quem os veja como instrumentos de cura emocional, e há quem os trate como filhos — com rotina, nome, vestuário, certidão de nascimento e berço com babá eletrônica.

Em Curitiba, a artesã Aline Lima fundou a Maternidade Bebê Reborn Curitiba, um ateliê especializado na confecção e “adoção” desses bonecos hiper-realistas. Em entrevista ao portal Banda B, Aline explicou que os valores variam de acordo com o nível de detalhamento e realismo: os modelos mais simples partem de R$ 2.500, enquanto os mais sofisticados, com cabelos implantados fio a fio, peso idêntico ao de um bebê real e pintura artesanal, podem chegar a R$ 8 mil.

Segundo Aline, o que acontece na maternidade é mais do que uma compra: é um processo simbólico. “Tem gente que passou por uma perda e precisa desse acolhimento. Outras pessoas simplesmente se encantam com o ato de cuidar. Já tivemos adultos e crianças, mulheres e homens, todos em busca de uma experiência de afeto, mesmo que simbólica”, afirmou.

O atendimento na loja inclui desde o momento da escolha do bebê até uma ambientação completa para o recebimento. Os bonecos são entregues com laço, mantinha, bolsa de maternidade e até um cartão de vacinação simbólico. Tudo isso compõe o que a fundadora chama de “ritual de acolhimento”.

A febre nas redes e o consumo do afeto

A febre dos bebês Reborn também chegou a figuras públicas. Recentemente, o Padre Fábio de Melo visitou a MacroBaby, uma maternidade de bonecas em Orlando, nos Estados Unidos, e “adotou” uma boneca Reborn com síndrome de Down. O gesto foi uma homenagem à sua mãe, Ana Maria de Melo, que faleceu em 2021. Durante anos, o padre presenteou a mãe com bonecas, e essa adoção simbólica foi uma forma de manter esse carinho vivo. Ele compartilhou o processo de adoção nas redes sociais, incluindo brincadeiras sobre o “visto” da boneca para o Brasil e interações bem-humoradas com a equipe da loja.

Esse episódio reforçou ainda mais o alcance emocional e simbólico dos Reborns, e como eles podem representar, para muitos, algo além da brincadeira: uma forma de memória, saudade, afeto e reparação simbólica.

O TikTok é hoje a principal vitrine dos bebês Reborn. Milhares de vídeos mostram meninas e mulheres abrindo caixas com cuidado, trocando fraldas, alimentando os bonecos, levando-os ao parquinho e contando como é a rotina com seu “bebê”. Há vídeos emocionantes, engraçados, estranhos e até perturbadores.

Em alguns perfis, é difícil distinguir o limite entre fantasia e realidade. Há criadoras de conteúdo que tratam seus bonecos como filhos em tempo integral. Usam expressões como “meu bebê nasceu”, “hoje foi dia de vacina” ou “meu filho chorou muito ontem à noite”. Nos comentários, o público se divide entre encantamento e choque.

Mais do que um brinquedo, o Reborn virou objeto de consumo afetivo. Para além das bonecas, existe um mercado inteiro girando em torno do enxoval, dos acessórios, das roupinhas e dos “itens de maternidade”. Há até lojas especializadas em roupas para Reborn — com preços que muitas vezes superam os de roupas infantis reais.

A visão pedagógica: brincar, sim, mas com escuta

Para a pedagoga Geslaine Santos, brinquedos hiper-realistas como os Reborns podem enriquecer ou limitar o brincar simbólico, dependendo da forma como são utilizados.

“Quando o brinquedo já ‘traz tudo pronto’, há menos espaço para a criança criar e transformar. Mas, com escuta e mediação, ele pode contribuir para experiências afetivas e de cuidado”, explica.

Ela defende que a escola acolha esses brinquedos com empatia. “Muitas vezes, o Reborn não é apenas um brinquedo, mas um objeto de afeto e segurança. Cabe à escola equilibrar esse espaço individual com as necessidades do grupo.”

Geslaine alerta para casos em que o vínculo com o boneco substitui o brincar coletivo. “O olhar atento do educador é essencial para perceber sinais como excesso de apego ou resistência à interação.”

Ela ainda ressalta a importância de evitar a imposição de papéis adultos sobre as crianças:

“O bebê Reborn pode, sim, despertar atitudes de cuidado e empatia, mas é importante que isso não reforce papéis estereotipados ou adultizados precocemente. A infância precisa ser respeitada como espaço de descoberta, não de reprodução.”

O olhar da psicologia: entre o brincar e o simbólico

A psicóloga e psicanalista Maria Carolina Camargo traz um olhar sensível e técnico sobre o fenômeno. Segundo ela, não há uma diferença emocional evidente entre um bebê Reborn e outras bonecas comuns — mas o hiper-realismo pode provocar um encantamento maior, especialmente em crianças a partir dos cinco anos.

“Brinquedos, em geral, já são terapêuticos. O alerta vem quando há uma reação exacerbada, ou um apego que impede outras interações. Mas é preciso cautela antes de concluir qualquer coisa”, diz.

Ela explica que, na psicologia, existe o conceito de objeto transicional, criado por Donald Winnicott, que define brinquedos e objetos (como chupetas, fraldas, paninhos) como pontes emocionais entre o aconchego materno e o mundo exterior.

“Esses objetos ajudam no desenvolvimento da psique infantil. São apoios simbólicos que ajudam a lidar com a autonomia e com as emoções.”

A psicóloga também reforça que o brincar é sempre saudável, desde que não haja rigidez no papel assumido pela criança. “O problema não é tratar o boneco como filho, mas quando a criança não se permite sair desse papel.”

Ela destaca que o acompanhamento dos pais é essencial:

“É importante observar como a criança se relaciona com o brinquedo. Se há leveza, imaginação e flexibilidade, ótimo. Mas se há dependência emocional, isolamento ou dificuldade de separação, vale buscar orientação.”

E quando o Reborn é de um adulto?

O uso de bebê Reborn por adultos é um dos pontos mais polêmicos do tema. Para Maria Carolina, o brincar também faz parte da vida adulta — é uma expressão da criatividade, um recurso de manutenção emocional. Mas é preciso observar quando há regressão psíquica ou desconexão com a realidade.

“Se a pessoa perde o discernimento entre fantasia e realidade, ou substitui relações humanas por completo, isso pode sinalizar traumas ou transtornos mais profundos.”

Ela também chama a atenção para o “contágio psíquico” promovido pela febre nas redes sociais:

“Talvez nem estejamos vivendo uma febre real de adultos que usam Reborns com apego emocional verdadeiro. Mas sim uma febre de conteúdo que banaliza o sofrimento de quem realmente precisa de apoio.”

Há casos legítimos em que adultos encontram nos Reborns uma forma de lidar com o luto, com a solidão ou com traumas da maternidade. Segundo a psicóloga:

“A liberdade de brincar no adulto pode ser positiva. O problema é quando esse vínculo serve para manter uma ferida aberta, ao invés de ajudar a cicatrizá-la.”

O que os Reborns dizem sobre nós

Os bebês Reborn podem ser um convite ao cuidado, à empatia, ao brincar e à escuta. Mas também nos desafiam a olhar para nossas faltas, nossas carências e nossa forma de expressar amor. Como boneca, talvez o realismo seja desnecessário. Como brinquedo, o preço é um luxo. E como substituto de um filho, o Reborn exige que a gente se pergunte: o que está sendo projetado ali?

Talvez essa boneca que não chora, não cresce, não responde, esteja dizendo mais sobre o adulto que a carrega do que sobre a criança que brinca com ela. E talvez, mais do que tudo, o que precise de escuta… não seja o boneco. Seja a própria pessoa que encontra nele um espelho.

E você? Já conhecia o universo dos bebês Reborn? O que pensa sobre o assunto? Acha fofo, assustador, terapêutico ou tudo isso ao mesmo tempo? Vamos conversar nos comentários — aqui é sempre espaço pra troca, pra escuta e pra olhar o mundo com mais camadas.

Obrigada por chegar até aqui. 💗