Por que o direito de brincar virou lei – e o que famílias e escolas precisam entender.

É cada vez mais raro ver uma rua cheia de crianças correndo, pulando corda ou inventando brincadeiras. Entre compromissos escolares, cursos extracurriculares, excesso de telas e a falta de espaços verdes nas cidades, o brincar — tão simples e essencial — tem se tornado quase um luxo da infância contemporânea.

Mas esse “detalhe” já não pode ser tratado como irrelevante. Em março de 2024, foi sancionada a Lei nº 14.826/2024, que institui a parentalidade positiva e reconhece o brincar como um direito das crianças, colocando-o lado a lado com outras estratégias de prevenção à violência infantil. Ou seja: brincar não é passatempo. É questão de desenvolvimento e proteção.

Brincar não é passatempo: é direito garantido por lei

A legislação reforça algo que especialistas já defendiam há décadas: o brincar tem impacto direto no desenvolvimento integral da criança.

“Quando a escola reconhece o brincar como parte do currículo, e não apenas como um tempo livre desconectado da aprendizagem, ela garante condições para que as crianças cresçam em sua integralidade”, afirma Fernanda Silveira, Coordenadora Pedagógica.

Esse reconhecimento não é apenas nacional: o Artigo 31 da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, de 1989, já previa o direito ao lazer, ao descanso e ao brincar como fundamentais. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Marco Legal da Primeira Infância também reforçam esse compromisso no Brasil.

Da rua ao celular: como a infância mudou

Se antes era comum brincar na rua com vizinhos até o anoitecer, hoje a urbanização acelerada, a violência urbana, a falta de praças e o avanço da tecnologia transformaram o cenário.

  • Somente 10,3% das crianças ainda brincam na rua nos dias úteis, segundo estudo da UTFPR.
  • 84% brincam ao ar livre por até 2 horas por dia, e 40% delas por apenas 1 hora ou menos.
  • O tempo de tela, por outro lado, dispara: 6 em cada 10 crianças de até 6 anos já ultrapassam o limite recomendado pela Sociedade Brasileira de Pediatria.

“É cada vez mais difícil encontrar crianças em contato com a natureza ou vivendo brincadeiras coletivas ao ar livre. Muitas vezes, o tempo de tela substitui o tempo de rua, e isso afeta a qualidade das experiências”, analisa Fernanda.

Benefícios invisíveis do brincar

freepik

O psicólogo Lev Vygotsky já dizia que, ao brincar, a criança atua em um nível de desenvolvimento superior ao habitual. E isso se confirma hoje:

  • Cognitivo: melhora da atenção, memória, linguagem e raciocínio.
  • Socioemocional: empatia, resolução de conflitos, cooperação.
  • Motor: coordenação fina e ampla, equilíbrio, consciência corporal.
  • Afetivo: expressão de sentimentos difíceis de verbalizar, criação de vínculos.

Ou seja, quando uma criança inventa histórias com bonecos, simula papéis ou corre atrás de uma bola, ela está treinando habilidades que serão decisivas na vida adulta.

Os inimigos da infância livre

Apesar da importância, brincar ainda enfrenta barreiras:

  • Excesso de conteúdos escolares e pressão por desempenho.
  • Falta de espaços adequados em escolas e cidades.
  • Formação docente escolarizante, que valoriza mais provas que experiências.
  • Telas e agenda cheia, que reduzem tempo livre.

“É preciso intencionalidade pedagógica. O professor deve mediar sem engessar a brincadeira, ampliando horizontes, acolhendo a imaginação e a surpresa”, reforça a coordenadora.

Família e escola: onde mora a responsabilidade

Segundo a nova lei, o dever de garantir o direito de brincar é do Estado, mas também das famílias e instituições de ensino.

  • Na escola: professores atuam como observadores sensíveis, criando espaços ricos em materiais e contextos sem limitar a ação da criança.
  • Em casa: pais e responsáveis precisam reservar tempo para brincar junto, valorizar os momentos espontâneos e oferecer ambientes seguros e acolhedores.

“As famílias são as primeiras mediadoras das experiências infantis. É essencial que ofereçam tempo livre de qualidade e estejam disponíveis para brincar junto, mostrando que também valorizam esses momentos”, destaca Fernanda.

Um movimento global pelo brincar

Em 2024, a ONU instituiu o Dia Internacional do Brincar (11 de junho), lembrando que mais de 140 países já se comprometeram a reforçar políticas públicas que garantam tempo e espaço para a infância. O Brasil também participa da Semana Mundial do Brincar, organizada pela Aliança pela Infância, que mobiliza escolas, famílias e comunidades todos os anos.

Essas datas não são apenas simbólicas: são um lembrete de que o brincar é um compromisso coletivo.

Um convite para todos nós

Mais do que uma atividade da infância, brincar é linguagem, é afeto, é aprendizado. É o que ajuda crianças a se tornarem adultos criativos, empáticos e completos.

E se a lei já reconheceu o direito de brincar, que tal cada um de nós — mães, pais, professores e cuidadores — também reconhecermos a nossa parte? Brincar não é luxo. É necessidade. É o começo de tudo.

O brincar em números

  • 10,3% das crianças brincam na rua nos dias úteis.
  • 84% brincam ao ar livre até 2h por dia; 40% apenas 1h ou menos.
  • 6 em cada 10 crianças de até 6 anos já passam tempo excessivo em frente às telas.
  • ONU reconhece o brincar como direito fundamental no Artigo 31 da Convenção sobre os Direitos da Criança.

E você, como tem garantido tempo e espaço para o brincar na rotina da sua família? Compartilhe sua experiência nos comentários e inspire outras mães e pais a proteger esse direito!