Com aparência inofensiva, alimentos ultraprocessados comprometem o desenvolvimento, afetam o comportamento e aumentam o risco de doenças. Especialistas explicam como proteger as crianças e mostram alternativas práticas e divertidas para uma alimentação mais saudável.
A armadilha das embalagens coloridas
Pratinhos divertidos, caixinhas que prometem vitaminas e minerais, personagens queridos nas embalagens. À primeira vista, os industrializados parecem aliados das famílias na correria do dia a dia. Mas a praticidade que se vende como solução pode esconder um problema sério: os ultraprocessados estão diretamente ligados a doenças que começam na infância e podem acompanhar a criança por toda a vida.
Segundo o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani), 80% das crianças com menos de cinco anos consomem ultraprocessados com frequência, e em 25% das calorias ingeridas por elas, esses produtos são a única fonte. Entre 2 e 5 anos, a proporção chega a 30%.
A pediatra Bruna de Paula alerta: “Os ultraprocessados podem comprometer o desenvolvimento físico e cognitivo das crianças, além de favorecer o surgimento de doenças crônicas já na infância, como obesidade, diabetes tipo 2 e hipertensão”.
Muito além do prato: impactos na saúde e no comportamento
O corpo e o cérebro em desenvolvimento são mais sensíveis ao excesso de açúcar, sódio, gorduras ruins e aditivos químicos. Não é só questão de peso: colesterol alto, constipação, anemia, esteatose hepática (gordura no fígado) e até problemas respiratórios têm sido diagnosticados em crianças pequenas.
E não para por aí. A pediatra explica que os efeitos chegam também ao comportamento: “Dietas ricas em açúcar, corantes e aditivos afetam diretamente o humor e a energia. Isso aumenta a irritabilidade, a agitação, a ansiedade e prejudica sono e concentração”.
O açúcar que se esconde no rótulo
Para muitos pais, o problema começa na leitura das embalagens. A indústria utiliza estratégias que confundem — produtos anunciados como “naturais”, “ricos em ferro” ou “sem conservantes” podem ser carregados de açúcar, aditivos e farinhas refinadas.
A nutricionista Patrícia Ayres alerta: “O açúcar não aparece apenas como o pó branco que conhecemos. Ele se disfarça em nomes como xarope de glicose, maltodextrina, açúcar invertido, sacarose, dextrose, frutose ou qualquer ingrediente terminado em ‘ose’”.
E mesmo bebidas aparentemente saudáveis, como sucos de caixinha, podem conter quantidades equivalentes a colheradas de açúcar — comprometendo o pâncreas, o fígado e a glicemia das crianças.
Da indústria para a cozinha: como envolver as crianças em escolhas mais saudáveis
Existe um caminho divertido e educativo para reduzir a dependência dos industrializados: trazer as crianças para a cozinha.
Cada vez mais os pequenos se interessam por culinária, seja por programas como Masterchef Junior ou pela curiosidade natural. Ao preparar uma refeição, eles desenvolvem coordenação motora, raciocínio lógico, disciplina e uma conexão mais profunda com os alimentos.
“Nas aulas ou em casa, as crianças aprendem desde conceitos básicos de gastronomia até alternativas para substituir produtos industrializados. Esse envolvimento desperta autonomia e responsabilidade desde cedo”, aponta a consultora pedagógica Claudia Genaro.
Não precisa de nada sofisticado: deixar a criança ajudar a descascar legumes, lavar frutas ou misturar a massa já cria vínculo. Além de fortalecer a relação familiar, a prática ensina que comida de verdade pode ser tão colorida e divertida quanto a das embalagens.
Pequenos hábitos, grandes transformações
Trocar o biscoito recheado por frutas cortadas em formatos divertidos.
Substituir refrigerantes por sucos naturais ou água saborizada.
Criar um “dia do prato colorido” para brincar com legumes e verduras.
Levar a criança ao mercado para escolher ingredientes e montar o prato.
Essas mudanças simples reduzem o consumo de ultraprocessados e, ao mesmo tempo, formam adultos mais conscientes e saudáveis.
Comer bem não precisa ser caro (nem complicado)
Um dos mitos mais comuns é acreditar que alimentação saudável é sinônimo de altos custos. Mas arroz, feijão, ovos, legumes e frutas da estação continuam sendo a base mais acessível e nutritiva da mesa brasileira.
Para facilitar a rotina, especialistas recomendam preparar porções maiores no fim de semana, higienizar e cortar frutas logo após a compra, e apostar em receitas rápidas com ingredientes frescos e simples.
“O segredo é a consistência”, reforça Bruna de Paula. “Troque um ultraprocessado de cada vez por uma opção natural e envolva a criança nesse processo. Criar um ambiente tranquilo nas refeições, sem TV ou celular, também faz toda a diferença”.
O chamado aos pais: consciência hoje, saúde amanhã
Cuidar da alimentação infantil é investir em um futuro mais saudável, equilibrado e feliz. Cada escolha no prato de hoje se reflete em anos de vida, energia e bem-estar.
Neste momento em que a indústria usa cores e personagens para atrair as crianças, cabe aos pais assumir o papel de guia. Compartilhe este conteúdo, converse em família e escolha juntos mais comida de verdade. O coração — e a saúde — do seu filho agradecem.